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Agência de Notícias

Desmatamento e mudanças climáticas podem dividir a Amazônia em duas

Em estudo publicado na Nature Climate Change, pesquisadores do Museu Goeldi e parceiros demonstram que a Amazônia pode ter metade de sua área reduzida a fragmentos até 2050. A porção oriental da região tende a perder 95% de suas florestas e o Pará será o estado mais prejudicado.
publicado: 27/06/2019 12h00, última modificação: 27/06/2019 14h23

Agência Museu Goeldi - O maior bloco de floresta tropical do mundo pode estar severamente ameaçado. Uma em cada dez espécies de árvores do mundo cresce na Amazônia e mais da metade pode estar ameaçada de extinção em três décadas. Este é um dos achados de recente estudo publicado na revista Nature Climate Change, onde quatro pesquisadores do Brasil e da Holanda apresentam uma análise combinando cenários de impactos do desmatamento e das mudanças climáticas com conclusões alarmantes. De acordo com a previsão do cenário mais pessimista, conhecido como business as usual, metade da floresta ao sul da Amazônia pode ser reduzida a fragmentos, levando muitas espécies a um sério risco de extinção.

O grupo de pesquisadores inicialmente produziu mapas da distribuição original de cada uma das 10.071 espécies de árvores amazônicas conhecidas anteriores às mudanças induzidas pela humanidade. Estes mapas foram sobrepostos para fornecer o número médio de espécies para cada quadrado de 10x10 quilômetros dentro da floresta, estimando a riqueza de espécies nestes espaços, que foi de, aproximadamente, 1.500 espécies para cada um dos quadrados. O mapeamento do local onde as espécies podem ser encontradas é importante para se obter os limites de temperatura e precipitação onde elas estão aparentemente confortáveis, explica o primeiro autor do estudo, Vitor Gomes. Ao sobrepor a distribuição original das espécies ao desmatamento total da Amazônia até o ano 2013 (cerca de 10%), foi observado que um total de 807 espécies podem ser classificadas como ameaçadas de extinção. Segundo o estudo, até 2013 o desmatamento já havia atingido áreas aptas à distribuição de 98,7% das espécies de árvore na Amazônia.

A seguir, o grupo avaliou os impactos do desmatamento e das mudanças climáticas segundo projeções para o ano de 2050. Surpreendentemente, as mudanças climáticas se mostraram capazes de superar os impactos do desmatamento nos próximos 30 anos. As perdas de áreas aptas provocadas pelo desmatamento variaram entre 19 e 33%, enquanto que a variação com base nas mudanças climáticas variou entre 47 e 53%. “Apesar do maior potencial de perda provocado pelas mudanças climáticas, ambos os cenários apresentam resultados alarmantes e podem ter consequências severas para a biodiversidade amazônica”, considera Vitor Gomes – que defendeu tese de doutorado sobre este assunto no Programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais (MPEG/Embrapa/UFPA), tendo sido antes beneficiado pelo programa Ciência Sem Fronteiras.

Os autores do estudo consideraram que um cenário futuro realístico deveria apresentar ambos os impactos combinados e os resultados desta combinação se traduziram em perdas ainda maiores. As perdas podem variar entre 53 e 65%, do cenário mais otimista ao mais pessimista. Tais perdas resultariam em uma redução da riqueza de espécies entre 43 e 58%. “Apesar do importante papel das florestas tropicais na regulação do clima, conservação da biodiversidade e fornecimento de serviços ecossistêmicos, corremos o risco de perder quase 60% da riqueza arbórea da Amazônia”, diz Rafael Salomão, coautor do estudo, pesquisador do Museu Goeldi e professor da Universidade Federal Rural da Amazônia, em Belém, Brasil.

Mesmo o cenário combinado mais otimista prevê uma perda de mais da metade das áreas aptas à distribuição das espécies arbóreas amazônicas. O número total de espécies ameaçadas nos cenários combinados pode variar entre 4.872 (48,4%) e 4.993 (49,6%). Apesar da pequena diferença entre os cenários combinados, no mais otimista, o número de espécies classificadas como “Criticamente Ameaçadas” (CR) é menor, caindo de 22% (mais pessimista) para 11% (mais otimista). O cenário mais pessimista é baseado nas tendências atuais de desmatamento e emissões de CO2, considerando a ausência de ações mitigadoras ou o aumento da governança. Um dos mapas apresentados no estudo mostra a Amazônia divida ao meio no cenário mais pessimista. Uma das metades, formada pelas porções leste, sul e sudeste da Amazônia, aparece severamente fragmentada e, a outra metade, formada pelas porções norte, central e oeste, aparece com um formato ainda contínuo.

Amazônia dividida ao meio - Espécies comuns na metade fragmentada, tal como Protium altissimum (Aubl.) Marchand., podem enfrentar grande ameaça de extinção. Esta espécie é a segunda mais abundante na Amazônia, ocorrendo com grande número de indivíduos. Na área severamente fragmentada o desmatamento já é bastante intenso, especialmente na região conhecida como “arco do desmatamento”. O bloco contínuo pode sofrer menor impacto do desmatamento, mas não está imune às mudanças do clima. A espécie Eperua falcata Aubl., muito comum no Planalto das Guianas, e também uma das mais abundantes na Amazônia, pode perder até 63% das áreas aptas à sua distribuição. Segundo Hans ter Steege, coautor do artigo e pesquisador do Naturalis Biodiversity Center em Leiden, Holanda, espécies como a E. falcata, podem ter grande dificuldade de encontrar novos ambientes no futuro. As árvores desta espécie não conseguem espalhar suas sementes a mais do que 15 metros de distância e seus indivíduos precisam de cerca de um século para atingirem a maturidade. “Muitas populações de espécies movem-se lentamente. Eu comumente leio artigos inferindo que, devido às mudanças climáticas, alguns tipos de florestas serão encontrados em outras regiões em 2050. Mas como estas florestas podem ao menos chegar lá? Elas pegarão um trem?”, questiona.

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Apesar dos resultados alarmantes, o estudo destaca o importante papel da rede de áreas protegidas da Amazônia. Estas áreas podem prevenir a redução da riqueza de espécies em relação às previsões dos impactos futuros. “Mesmo que estas áreas não sejam totalmente imunes às mudanças no clima, que pode sobrepor limites físicos ou geográficos, nossos modelos mostram que as florestas fora da rede de áreas protegidas podem perder até um terço a mais de espécies”, diz Vitor Gomes. Os autores acrescentam que o cenário mais pessimista aparenta ser cada vez mais realista, pois o desmatamento na Amazônia está aumentando novamente e os esforços atuais para limitar o aquecimento global são claramente insuficientes.

Ima Vieira, coautora do artigo e pesquisadora do Museu Goeldi, em Belém, Brasil, alerta para o grande risco que a floresta amazônica corre por conta da aprovação do Projeto de Lei 2362/2019 no Brasil, que propõe a eliminação da reserva legal nas propriedades rurais. Ima diz: “Se isso acontecer, cerca de 89 milhões de hectares podem ser diretamente ameaçados pelo desmatado na Amazônia. Já ficamos impressionados com os resultados deste estudo, imagine o que pode vir pela frente com esse nível de retrocesso ambiental? A floresta do futuro pode ser dividida em vários blocos, onde muitas espécies correriam sérios riscos de extinção. É fundamental o avanço da governança ambiental na região, considerando as áreas protegidas e as reservas legais como instrumentos complementares da proteção da biodiversidade. Nesse quadro, a Amazônia Oriental pode perder 95% de suas florestas e o estado do Pará será o mais prejudicado, porque já é o campeão regional em perdas de diversidade”.

O estudo finaliza com o exemplo da Floresta Atlântica, que, apesar de hoje possuir pouco mais de 10% de sua cobertura original, foi alvo do alerta de diversos estudos ao longo de mais de um século e, portanto, deixar que a Amazônia tenha o mesmo destino não seria uma opção.