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Ver-o-Peso chega aos 390 anos inspirando cada vez mais a ciência feita na Amazônia

Das plantas às essências. Dos óleos aos pescados. Relembre alguns estudos de pesquisadores do Museu Emílio Goeldi que conectam a vocação científica ao mais popular cartão postal de Belém
publicado: 27/03/2017 09h30, última modificação: 15/02/2018 15h14

Agência Museu Goeldi – Uma visita ao Ver-o-Peso não garante apenas os produtos para o almoço da semana, garante diferentes experiências sensoriais. Desfrutar um peixe-frito com açaí é uma delas. Há quem aposte na alquimia das ervas para resolver problemas de saúde ou amorosos. Outros vão apreciar o pôr-do-sol acompanhado de uma bebida gelada. As relações com o lugar são as mais diversas. É para lá também que muitos pesquisadores lançam seus olhares, fortalecendo assim o espaço científico do querido Veropa.

Economia e trabalho – Conhecido no século XVII como “posto de haver o peso”, a Feira do Ver-o-Peso conta atualmente com cerca de 1.400 trabalhadores cadastrados, sem contar os informais, segundo a Prefeitura de Belém. O complexo abriga ainda importante patrimônio arquitetônico como o Mercado de Ferro, o Mercado de Carne e a Praça do Relógio. Na feira, centenas de boxes e lojas comercializam hortifrutigranjeiros, artesanatos, pescados, plantas, uma infindável lista de itens que lhe asseguram o título de maior feira livre da América Latina.

Os óleos essenciais comercializados no Ver-o-Peso foram tema de livroA dinâmica do comércio de produtos regionais nas feiras de Belém, entre elas o Ver-o-Peso, foi pesquisada por Iraneide Silva, Mestre em Ciências Ambientais e Editora Executiva do Núcleo Editorial de Livros do Museu Goeldi. O trabalho, que contou com a participação da Dr.ª Edna Castro, do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA/UFPA), destaca a importância desses espaços na circulação de produtos regionais vindos, principalmente, das ilhas ao redor da cidade de Belém e do interior do Pará, contribuindo significativamente para a economia do estado. Você pode conferir este estudo no livro Amazônia em tempo: estudos climáticos e socioambientais, publicado em 2015 pela Universidade Federal do Pará, Museu Goeldi e Embrapa Amazônia Oriental, e também em edição especial do jornal Destaque Amazônia, clique aqui.

A intensa movimentação da Feira do Açaí, também um dos espaços que compõem o Complexo Ver-o-Peso, foi a capa que estampou a última edição de 2016 do Boletim de Ciências Humanas do Museu Goeldi, dedicada ao tema Sociedade, produção e significado. Dos 13 trabalhos publicados, dois se dedicaram à análise de aspectos socioculturais do Ver-o-Peso: Segregação racial na orla de Belém: os portos públicos da Estrada Nova e o Ver-o-Peso, de Rodrigo Peixoto e Jakson Silva; e Pedra do Peixe: redes sociais na circulação do pescado do Ver-o-Peso para a cidade de Belém do Pará, de Luiz Silva e Carmem Rodrigues. Esses e os demais artigos podem ser conferidos na íntegra aqui.

Pesca – Dr. em Ecologia, Ronaldo Barthem é pesquisador da Coordenação de Ciências da Terra e Ecologia do Museu Goeldi, especialista no ciclo dos grandes bagres e no estudo do pescado na Amazônia. Barthem destaca a importância do Ver-o-Peso como porto de desembarque pesqueiro da Amazônia: “O Museu Goeldi realizou pesquisas nesse porto de 1992 a 2011, monitorando o desembarque da pesca comercial. O desembarque no Ver-o-Peso representou cerca de 1/3 do desembarque total no município de Belém em 1995 sendo o restante desembarcado nas empresas de frigoríficos, e atingiu um valor máximo no período estudado de 13.447 toneladas em 2004. O Ver-o-Peso tem sido o principal porto de desembarque da frota artesanal no estado do Pará, mas a ausência de dados atuais não permite confirmar isso para o período atual”, afirma.

A Feira do Açaí estampou a capa da última edição de 2016 do BoletimSegundo o pesquisador, as espécies mais populares encontradas na feira são a dourada, a pescadinha gó, as pescadas branca e amarela e a piramutaba. Além de popular entre os que costumam comer no Ver-o-Peso, a dourada é líder noutro aspecto: Barthem e colegas mapearam o ciclo de migração de bagres na bacia do Rio Amazonas e a dourada é a espécie que cumpre a maior rota migratória realizada por um peixe de água doce. Para depositar seus ovos, a espécie atravessa a América do Sul. Leia mais em  http://www.oeco.org.br/noticias/a-dourada-e-medalha-de-ouro-em-distancia/.

A alquimia das ervas – O setor mais curioso do Complexo Ver-o-Peso tem poderosas guardiãs: as erveiras, detentoras de inestimável conhecimento sobre plantas e aromas amazônicos. Pequenos vidrinhos protegem os coloridos óleos e essências que prometem vida saudável, dinheirinho na conta bancária, amor e tantas outras soluções para as mais variadas demandas.

Pensando na importância da flora aromática do Pará, as pesquisadoras Maria das Graças Zoghbi e Eloisa Andrade, da Coordenação de Botânica do Museu Goeldi, foram responsáveis por caracterizar a composição química de óleos essenciais comercializados na feira. Cerca de 70 plantas e seus respectivos óleos foram analisados em amostras coletadas entre 2002 e 2004. Além de comprovarem a atividade farmacológica das essências, as pesquisadoras reconheceram o potencial valor das substâncias para a perfumaria. Os resultados fazem parte do livro Plantas Aromáticas do Ver-o-Peso, publicado em 2014, numa parceria entre o Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG) e a Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA).

Lugar de trabalho, lugar de encontros, lugar de ciência. A Feira na beira da baía do Guajará caminha para os 400 anos enfrentando desafios e inspirando novos olhares, que mostram a sua complexidade e a sua riqueza como espaço de conhecimento da Amazônia. Com essa breve rememoração, o Museu Goeldi, outro cartão postal da quatrocentona Belém, presta sua homenagem ao Ver-o-Peso.

Texto: Phillippe Sendas