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Seringueira, a planta que sustentou uma região

Conheça a árvore responsável pelo principal ciclo econômico da Amazônia e que possibilitou a Belle Époque nas cidades de Belém e Manaus. Os recursos da comercialização do látex também proporcionaram a consolidação do Museu Goeldi, cujo Parque Zoobotânico funcionou como laboratório ao ar livre para o estudo das plantas gomíferas.
publicado: 31/01/2016 16h00, última modificação: 15/06/2018 10h42

Agência Museu Goeldi – Protagonista de um importante período econômico na Amazônia durante o século XIX e início do XX, a seringueira, árvore produtora do látex utilizado na fabricação da borracha natural, faz parte da coleção do Parque Zoobotânico do Museu Paraense Emílio Goeldi há mais de 100 anos e foi tema de estudos diversos do botânico suíço Jacques Huber (1867-1917), ex-diretor da instituição e referência mundial sobre as chamadas árvores gomíferas, as produtoras de látex. A espécie Hevea brasiliensis Mull. Arg. é a segunda personagem da série multimídia “As Anciãs do Museu Goeldi”. 

A exploração da seringueira no vale amazônico foi responsável pelo ciclo econômico que provocou, a partir de meados do século XIX, uma profunda modificação na estrutura urbana das duas principais capitais da região, Belém e Manaus, dando origem ao que é conhecida como fase da Belle Époque e a um grande impulso nos estudos científicos.

Da raiz à folha – Esguia e de postura ereta, a Hevea brasiliensis é natural da região amazônica e se reproduz em florestas tropicais. Ocorre, principalmente, em terrenos argilosos e em áreas alagadas, como as várzeas. Nessas circunstâncias, a árvore pode atingir, em média, até 30 metros de altura e ter de 30 a 60 centímetros de diâmetro do tronco.

É na casca da seringueira que são encontradas as estruturas secretoras que contêm látex, chamadas de vasos laticíferos. Mas é somente a partir do sexto ano de idade que a planta inicia a produção da matéria-prima da borracha natural.

As folhas da Hevea brasiliensis possuem três divisões, são trifolioladas. É uma planta que possui os dois sexos, mas em flores separadas. As flores são pequenas e têm tonalidade amarelada ou bege.

A reprodução da seringueira é realizada a partir da polinização feita por pequenos insetos, mas o principal meio de reprodução é a dispersão de sementes, informa o botânico Ricardo Secco, professor dos Programas de Pós-Graduação em Botânica Tropical, Bionorte e Biodiversidade e Evolução, além de ex-curador do Herbário do Museu Goeldi. “Os frutos da seringueira têm três dilatações chamadas cocas, por isso chamamos de frutos tricocas. Na época da reprodução da planta, quando o fruto amadurece, ele se rompe e as sementes são arremessadas longe, e essa é uma dispersão chamada balística. Assim, as sementes são espalhadas na mata e a reprodução é feita dessa forma”, explica Dr. Ricardo Secco.

Os frutos da seringueira geralmente apresentam três grandes sementes ovais de coloração marrom, de onde se extrai um óleo vegetal muito utilizado na confecção de vernizes e tintas. Atualmente, 19 exemplares da planta são cultivados no Parque Zoobotânico do Museu Goeldi e estão sob o monitoramento de especialistas em flora, mas os estudos sobre a espécie foram iniciados na instituição ainda no final do século XIX, após o suíço Jacques Huber organizar a coleção botânica (tanto o Herbário quanto o horto) do Museu Goeldi.

A beleza da seringueira inspirou a ilustradora Livia Prestes e você pode baixar um wallpape para seu smartphone oucomputador com uma aquarela da planta, assinada pela artista. 

Assista ao vídeo sobre a seringueira no canal do Museu Goeldi no YouTube ou em nosso portal.

O laboratório de Huber – Contratado pelo zoólogo Emílio Goeldi, então diretor do Museu Paraense de História Natural e Ethnographia, o suíço Jacques Huber recebeu a missão de estruturar o horto botânico da instituição, que hoje é conhecida como Museu Goeldi. Para tal, Huber pesquisou o cultivo de diversas espécies vegetais amazônicas e montou a primeira coleção com plantas trazidas de suas jornadas realizadas pelo interior da Amazônia. Em 1897, já faziam parte da paisagem do Zoobotânico do Museu Goeldi 531 espécies vegetais.

Jacques Huber tornou-se um dos poucos especialistas de referência mundial na taxonomia dos gêneros de plantas que produzem látex, especialmente as Hevea. Seu grande laboratório foi o Parque Zoobotânico do Museu Paraense, onde plantou e acompanhou todo o ciclo de vida da Hevea brasiliensis, como a germinação, o crescimento, a reprodução, a floração e a frutificação. Durante suas viagens para o interior da floresta amazônica, estudou também a distribuição geográfica da planta e o processo de extração do látex, atividade que sustentava a economia regional, no final do século XIX e início do XX.

Segundo a museóloga Lilian Flórez, bolsista de Capacitação Institucional vinculada à Coordenação de Museologia do Museu Goeldi, a análise das experiências de Huber no Museu Goeldi permite observar as diversas atividades que os cientistas realizavam em prol da ciência e também da política e da economia da Amazônia e do Brasil. “O Museu foi assim um espaço de imensa importância, se envolvendo e sendo envolvido não só como instituto de ensino público, mas com tarefas e responsabilidades vinculadas ao crescimento econômico da Região”, acrescenta a Drª Lilian Flórez.

“Huber realizou diversas pesquisas, estudou os fungos que infectavam essas espécies e que impediam seu cultivo em larga escala. Estudou, também, o processo de sangria das árvores e chegou a desenvolver uma faca chamada ‘Faca de Huber’, proposta para substituir o tradicional machadinho da seringueira”, conta Nelson Sanjad, doutor em história das ciências e pesquisador do Museu Goeldi. 

O pequeno machado, comumente utilizado por seringueiros na extração do látex, danificava o caule das plantas, permitindo a infecção por fungos. Já a Faca de Huber tinha um design que impedia um corte profundo, atingindo a casca superficialmente. Com esta técnica, os fungos não penetravam na árvore e o tempo de vida e a produção de resina da seringueira eram maiores.

Durante o período de depreciação do comércio da borracha na Amazônia, ameaçado pela concorrência da produção inglesa em países da Ásia, o conhecimento de Huber foi solicitado pelo Governo do Pará que, juntamente com o Governo do Estado do Amazonas, financiou uma expedição do botânico ao Oriente em dezembro de 1911, com o objetivo de obter dados e analisar a situação da indústria gomífera na região, além de traçar comparativos entre o mercado asiático e amazônico, para projetar um futuro para a economia local. A empreitada de Jacques Huber no Ceilão (atual Sri Lanka), Sumatra, Java e a Península Malaia teve caráter emergencial na tentativa de salvar a economia amazônica.

Entre os aspectos observados por Huber durante sua viagem, estavam as anotações sobre o clima, o solo, a vegetação, a higiene e a mão-de-obra asiática, mais barata do que a brasileira e explorada por ingleses e holandeses. Também observou as diferenças no processo de sangria da árvore: o corte oriental prejudicava menos a planta e aumentava o tempo de vida útil. 

Início do fim – Em 1876, o britânico Henry Wickham levou 70 mil sementes da espécie Hevea brasiliensis para a Inglaterra. Sem ter entendimento do que faziam, os donos dos seringais amazônicos deram livremente a semente da espécie nativa que produzia o melhor látex do comércio internacional. Na Inglaterra, as milhares de sementes foram plantadas nas estufas do Jardim Botânico Real, sendo que apenas duas mil germinaram. Mas bastou essa quantidade e o conhecimento científico para que os ingleses mudassem o jogo comercial. Ao replantarem a Hevea brasiliensis no sudeste asiático, os britânicos começaram a abalar o monopólio da borracha na Amazônia.

Na segunda década do século XX, o mercado da borracha brasileira já não suportava a pressão da competição com o comércio inglês e o grande ciclo da borracha amazônica perdeu sua hegemonia. A região amazônica entrava em crise, e com ela as cidades e o Museu Paraense.

O látex ainda continua a ser utilizado como matéria-prima para bens de consumo, no entanto, a produção da borracha diminuiu consideravelmente. Em 2012, o Brasil foi o responsável pelo fornecimento de apenas 1,5% da borracha natural em escala mundial, de acordo com o Instituto Agronômico de Campinas (IAC).

No Parque Zoobotânico do Goeldi ainda é possível encontrar árvores plantadas por Jacques Huber para seus estudos sobre a seringa. Vestígios de uma época, algumas ainda apresentam os cortes característicos dos processos extrativos amazônicos e os das plantações asiáticas. Ainda no Zoobotânico, o visitante pode ver uma foto de Huber em tamanho natural, parte da Trilha da Memória e que está situada em frente ao Aquário, que recebe seu nome. São homenagens simbólicas para este cientista que tanto fez pela instituição, pelo desenvolvimento da ciência botânica nacional e da Amazônia.

Viva Amazônia – A série multimídia “As Anciãs do Museu Goeldi”  faz parte do projeto Viva Amazônia. O projeto é desenvolvido pela Escola da Biodiversidade Amazônica (Ebio), subprojeto do INCT/Biodiversidade e Uso da Terra na Amazônia, e pelo Laboratório de Comunicação Multimídia (LabCom) do Museu Goeldi, e tem como objetivo divulgar as coleções do Museu Goeldi.

A série “As Anciãs do Museu Goeldi” conta com a parceria da Coordenação de Museologia do MPEG, através do projeto “A transformação da paisagem do Parque Zoobotânico durante os primeiros 50 anos de existência”, desenvolvido pela Dra. Lilian Flórez, e ainda com a colaboração do setor Flora do Parque Zoobotânico e das coordenações de Botânica e de Informação e Documentação – todos setores do Museu Goeldi.

No próximo mês, o leitor conhecerá a história da samaumeira.

Texto: Mayara Maciel