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Por uma revolução beckeriana na Amazônia

Simpósio discutiu desafios em CT&I. Baixe as apresentações do evento.
publicado: 13/09/2013 17h00, última modificação: 15/08/2017 09h40

Agência Museu Goeldi – Como viabilizar o desenvolvimento sustentável na Amazônia? Respostas a essa pergunta foram discutidas no terceiro e último simpósio do ciclo “Relações entre Ciência e Políticas Públicas: Propostas de Bertha Becker para o Desenvolvimento da Amazônia”, realizado pelo INCT Biodiversidade e Uso da Terra na Amazônia, no Museu Paraense Emílio Goeldi - MPEG, no último dia 5 de setembro.

Ciência, biodiversidade, a consideração de diferentes territorialidades e tecnologia adequada no manejo da natureza são alguns pontos a serem considerados para se instaurar o novo modelo de desenvolvimento da Amazônia para o qual a geógrafa Bertha Becker se dedicou nos últimos anos de vida. Aliar essas categorias no planejamento político é o desafio que restou aos seguidores de sua obra, no que se convencionou chamar de revolução beckeriana.

“Temos que dar continuidade à obra de Bertha Becker, deixá-la viva e apresentar aos mais jovens o seu legado”, disse a ecóloga Ima Célia Vieira (MPEG), coordenadora do evento e do INCT Biodiversidade e Uso da Terra na Amazônia, apresentando a trajetória da cientista que esteve sempre atenta às políticas de desenvolvimento e suas repercussões na região. Nilson Gabas, diretor do Museu Goeldi, ressaltou a importância de Becker para a implementação de um novo modelo de política de C&T para a Amazônia, colaborando ativamente em programas de pesquisa da instituição.

Avanços e desafios em C&T – Para Becker, a Amazônia é uma fronteira em transformação. Nesse contexto, fronteira não é o limite territorial, mas o espaço de encontro entre homem, natureza e diferentes territorialidades. O geógrafo Gilberto Rocha (NUMA/UFPA) ressalvou as ideias de Becker para o desenvolvimento da fronteira amazônica: seria necessário articular a rede urbana, onde vive mais da metade da população da região, à floresta, que ainda resguarda o “coração florestal”, a vegetação ombrófila íntegra que abrange o sul do Amazonas e vai até a costa do Amapá. As cidades explorariam os serviços ecossistêmicos florestais com alta tecnologia e funcionariam como um cordão de “blindagem flexível” para proteger o coração florestal. Na Amazônia, a lógica de desenvolvimento a ser pensada é a inversa do que se faz hoje: as cidades não devem se impor sobre a natureza; é a natureza, as diferentes formas de vegetação, que indica modos inovadores de uso do território.

Diante deste cenário, o engenheiro Diógenes Alves (INPE) questiona o papel da ciência e da tecnologia no modelo de desenvolvimento adotado para a região. Longe de ser imparcial, a ciência deve reconhecer os interesses dos diversos agentes – Estado, empresas, populações locais – e considerar a ecologia como um parâmetro geopolítico. Mais do que refletir sobre modelos e cenários, Diógenes Alves afirma que o cientista deve ter um olhar holístico sobre a Amazônia, pensando em estratégias de preservação da biodiversidade.

O antropólogo Roberto Araújo (MPEG) também reforçou essa ideia, trazendo à tona a questão sobre a função social do cientista: contribuir para a compreensão que os sujeitos têm de si próprios, gerando uma dinâmica libertadora, ou criar prognósticos condicionados ao controle das esferas de poder? O pesquisador afirmou a necessidade de reconhecer e analisar o espaço vivido pelas pessoas em seus processos de resistência do sistema e cobrar do Estado políticas públicas eficazes.

O biólogo Peter Toledo (INPE) ressaltou a contribuição da ciência para o planejamento de territórios sustentáveis na Amazônia, o que deve ser marcado pela valorização criativa e endógena dos recursos locais na trajetória de desenvolvimento. Exemplos disso são o Programa Piloto para a Proteção das Florestas Tropicais do Brasil – PPG7 e o Experimento de Grande Larga Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia – LBA, apresentados pela agrônoma Tatiana Sá (Embrapa Amazônia Oriental), e o Floresta em Pé, apresentado pelo engenheiro florestal Milton Kanashiro (Embrapa Amazônia Oriental), programas e projetos inspirados pelo pensamento de Becker de integração da dimensão humana às pesquisas de uso e cobertura de terras e proteção à biodiversidade na Amazônia.

Já a bióloga Marlucia Martins (MPEG) apresentou a Programa de Pesquisa em Biodiversidade – PPBio Amazônia Oriental, que tem o objetivo de integrar e articular a política nacional sobre biodiversidade, tendo em vista o valor estratégico da Região Amazônica e o uso da biodiversidade como prioridade. “Durante muito tempo, o conhecimento científico não foi produzido por amazônidas, tampouco por brasileiros. A produção de conhecimento que a Bertha Becker fala é uma discussão sobre a soberania nacional”, finalizou a pesquisadora, reafirmando a importância de formar e fixar cientistas na região voltados para a pesquisa e desenvolvimento em biodiversidade e biotecnologia.

Construindo um futuro sustentável para a Amazônia – Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – INPE, é necessário manter, pelo menos, 70% da floresta amazônica em pé, tendo em vista que ela é fundamental na manutenção do clima não apenas da região, mas de todo o Brasil. Nos próximos anos, com as mudanças climáticas globais, esse bioma será ainda mais necessário. É com base nesta argumentação que o biólogo Charles Clement (INPA) afirma que as florestas precisam se tornar a base da economia produtiva na Amazônia. Antes, é importante distinguir e planejar usos para os diferentes tipos de cobertura florestal existentes, preservados e antropizados. Isso requer acesso mais fácil às áreas de pesquisa e estudos mais aprofundados sobre as espécies.

O agrônomo Alfredo Homma (Embrapa Amazônia Oriental) apontou algumas estratégias para desenvolver a região, mantendo as florestas e realizando atividades agrícolas apropriadas em áreas desmatadas. De acordo com o pesquisador, tem que se considerar a criação de Institutos do Coração Florestal, idealizados por Becker, de forma descentralizada na Amazônia, fora do eixo Manaus-Belém. O objetivo não é isolar produtivamente as áreas de floresta primária, mas utilizá-las a partir de “práticas do século XXI”. Homma levantou também a possibilidade de se investir em produtos e serviços florestais como a atividade pesqueira, o cultivo do cacau e do dendê e a extração de borracha vegetal.

Raimunda Monteiro (UFOPA), especializada em desenvolvimento regional, ressaltou a necessidade de interiorização de C&T na Amazônia, com a associação da pesquisa a agentes locais de desenvolvimento, como comunitários, empresas e universidades. Monteiro reforçou a importância de desenvolver processos ao invés de apenas projetos, que finalizam após o término de financiamentos, além do planejamento de metas para a produção de conhecimento interdisciplinar de cadeias produtivas estratégicas em biodiversidade.

Durante o Simpósio, foi consensual entre palestrantes que esse novo modelo será possível desde que haja uma inversão na prioridade de investimentos. A economista Helena Lastres, do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES, apontou a instituição como  a mobilizadora deste cenário inovador, uma questão proposta pela própria Bertha Becker. Elaborar e pôr em prática estratégias de desenvolvimento territorial em diferentes dimensões – social, econômica, tecno-científica, política e ambiental – para a Região Amazônica deve ser a meta dos próximos anos dos cientistas e dos tomadores de decisão política.

As apresentações em pdf estão disponíveis para download nesta página, no item arquivo.

Mais sobre Bertha Becker – Artigos, discussões, entrevistas, entre outros, elaborados pela geógrafa e outros pesquisadores inspirados em sua obra podem ser acessados no blog: http://berthabecker.blogspot.com.br/.

 

Texto: Luena Barros

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