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Pesquisadora do Goeldi recebe prêmio da Sociedade Americana de Mastozoologia

Silvia Pavan recebeu o Prêmio Oliver P. Person, destinado a jovens pesquisadores cujos trabalhos se destacam na América Latina. Ela colabora com o setor de Mastozoologia do Museu Goeldi. Em entrevista, Pavan comenta sobre a sua trajetória e os desafios de fazer ciência no Brasil, defendendo a importância de comunicar resultados à sociedade e de educar para a sustentabilidade ambiental.
publicado: 08/07/2021 10h13, última modificação: 08/07/2021 10h13

Agência Museu Goeldi - Ligada ao Programa de Capacitação Institucional (PCI) do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG), a pesquisadora Silvia Pavan acaba de receber o Prêmio Oliver P. Pearson, concedido pela Sociedade Americana de Mastozoologia (American Society of Mammalogists, em inglês).

Bióloga de formação, Pavan possui uma história com o Museu Goeldi desde o seu primeiro mestrado, em 2007, pelo Programa de Pós-Graduação em Zoologia, ofertado em parceria com a Universidade Federal do Pará (UFPA). Depois de concluir o doutorado pela Universidade da Cidade de Nova York e um pós-doutorado pelo Museu Americano de História Natural e o Smithsonian Institution, ela retornou a Belém, onde colabora no setor de Mastozoologia do MPEG e junto ao laboratório de Biologia Molecular. Seus principais interesses de pesquisa são a sistemática e a história evolutiva dos mamíferos neotropicais, assim como mais recentemente a diversidade e a conservação de peixes reofílicos.

Voltado a pesquisadores que concluíram o doutorado em até cinco anos e que atualmente ocupam cargo acadêmico ou curatorial na América Latina, o prêmio é uma homenagem a Oliver Pearson, mastozoólogo que conduziu trabalhos de campo na América Latina por muitos anos e foi um grande defensor dos profissionais da área de todas as idades e estágios profissionais. A premiação concederá à vencedora a quantia de 05 mil dólares, para ajudar a estabelecer ou consolidar os seus programas de pesquisa, e até 02 mil dólares para a participação no Encontro de Mastozoologia no próximo ano.

A Agência Museu Goeldi entrevistou Silvia Pavan, que falou sobre a sua trajetória no estudo de pequenos mamíferos e os desafios de realizar pesquisas no Brasil em um cenário de pandemia. Ela também contou sobre como o prêmio valoriza o seu trabalho e de todos os outros jovens cientistas que trabalham com mamíferos na América do Sul.

Confira a seguir a íntegra da conversa.

Agência Museu Goeldi - Qual a importância dessa premiação para o seu trabalho e área de atuação?

Silvia Pavan - Como outros prêmios acadêmicos, um prêmio desses traz obviamente reconhecimento, o que é muito estimulante para o meu trabalho mas não só para mim. É estimulante para mim e outros jovens cientistas que trabalham na América do Sul nessa área de mamíferos. Esse prêmio em específico é uma honra ao pesquisador Oliver Pearson, que era uma grande influência na América Latina no estudo de mamíferos. Além desse reconhecimento, que é estimulante, existe também a premiação em dinheiro, que impulsiona a pesquisa que estou fazendo agora porque me permite investir em alguns projetos meus e dos meus alunos (uma aluna de PIBIC e dois estudantes de mestrado) e colaboradores.

Agência Museu Goeldi - Quando você iniciou as atividades como pesquisadora e o que a motivou a pesquisar pequenos mamíferos?

Silvia Pavan - Eu sempre quis saber sobre animais e trabalhar com animais. Desde que eu entrei na graduação, eu queria ir a campo. Eu sou capixaba, então fiz a minha graduação na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Entrei em 2003 e, desde o início da graduação, já comecei a estagiar num laboratório onde os professores estudavam a diversidade de mamíferos, incluindo pequenos mamíferos. Logo comecei a ir a campo, e desde essa época eu me apaixonei por trabalho de campo e por pequenos mamíferos. Depois, eu vim fazer o mestrado no Museu Goeldi, pois eu queria conhecer a Amazônia, trabalhar na região. Eu vim para cá pelo PPGZOO, programa de pós-graduação do Museu Goeldi em parceria com a UFPA. E eu nunca mais abandonei a área. Comecei trabalhando com roedores na graduação, depois passei a trabalhar também com marsupiais no mestrado, e continuo trabalhando com esses grupos até hoje. Esse é um grupo bastante diverso, e ainda pouco estudado na América do Sul e, em especial, na Amazônia.

Agência Museu Goeldi - Podes contar um pouco sobre os projetos de pesquisa com os quais está envolvida atualmente? 

Silvia Pavan - Desde o início da minha carreira eu trabalho com diversidade, com descoberta de espécies e com evolução de pequenos mamíferos, principalmente sul-americanos, e muito do que eu faço hoje com pequenos mamíferos é na Amazônia. Mas, além dessa parte de mastozoologia, que é o que tenho feito desde o início da minha carreira e continuo fazendo agora, também faço parte do grupo de pesquisa do Museu Goeldi que investiga a diversidade de peixes amazônicos. São peixes que a gente chama de reofílicos, que vivem em ambientes de corredeiras, muito pouco estudados ainda. Por serem de ambientes únicos e que estão sob forte pressão antrópica, esse grupo de peixes reofílicos é um dos mais ameaçados que existe, porque os ambientes em que vivem enfrentam perdas e modificação de habitats com a construção de barragens para hidrelétricas, por exemplo.

Agência Museu Goeldi - Quais os desafios de pesquisar no cenário atual de pandemia e contingenciamento de recursos para a área da ciência e tecnologia?

Silvia Pavan - A situação atual é muito desestimulante para a gente que trabalha com pesquisa e mais desafiadora, eu diria, do que tudo que eu já vivi até hoje como pesquisadora no Brasil. Eu fiz a minha graduação e mestrado no Brasil, sempre subsidiada por bolsas do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Fui fazer o doutorado e o pós-doutorado fora do Brasil buscando formação complementar e retornei recentemente, há pouco mais de dois anos, com o intuito de me fixar aqui na Amazônia, onde eu quero continuar trabalhando, onde eu acho que poderia contribuir em pesquisas nas áreas em que atuo e na formação de alunos. Mas essa incerteza e a instabilidade para quem trabalha com pesquisa hoje são bastante desafiadoras, principalmente para quem não é só. Eu tenho família, tenho dois filhos pequenos. Vivemos um cenário de descontinuidade de suporte, onde você tem uma bolsa (quando tem), mas não sabe se a bolsa vai ser renovada ali na frente, além de uma grande dificuldade de emprego com pesquisa e ciência no Brasil. E isso é realmente um gatilho, eu diria, para a emigração de cientistas. Porque assim como outras pessoas, precisamos de estabilidade, temos gastos regulares com escola, aluguel e todos os custos de vida. E manter nossa vida nessa situação de incerteza é complicado. Para quem quer se estabelecer e ter uma carreira como pesquisador, as oportunidades de emprego estão cada dia mais raras e infelizmente a situação é essa: o Brasil me formou, pagou a maior parte da minha formação e de muitos outros doutores e agora que temos essa força armada de pessoas treinadas, infelizmente estamos vendo a exportação desses recursos humanos, essa “exportação de cérebros”.

É assim que eu enxergo a situação atual no Brasil, não só como resultado da pandemia. A pandemia, claro, atrasou e piorou várias coisas, mas o contingenciamento de recursos já vinha acontecendo antes da pandemia. É um cenário que já vinha se formando: a destruição de tudo que envolve preservação, ciência e educação em níveis de graduação e pós-graduação. É realmente muito complicado.

Agência Museu Goeldi - Como você avalia a importância da mastozoologia para a região amazônica neste momento de altas anuais consecutivas de desmatamento e queimadas?

Silvia Pavan - Eu diria que há importância não só da mastozoologia, mas das pesquisas em biodiversidade de forma geral. A ciência como um todo é extremamente importante para tentar ajudar a reverter essa situação. O conhecimento básico da diversidade é importante para a gente definir as melhores formas de tentar preservá-la. A transmissão de informação do cientista e do resultado das pesquisas é extremamente importante para a mobilização em prol dessa preservação, para que cada um começe fazendo a sua parte. A sociedade entender a importância da biodiversidade, ver a nossa biodiversidade como algo bom e fundamental é extremamente importante para que a gente consiga essa adesão. Passar a ideia de que a exploração da forma que tem sido feita não é sustentável, que é uma ameaça a nós mesmos no contexto regional de Amazônia e no contexto global. Os cientistas precisam ser também comunicadores nesse sentido e contribuir para que a população tenha essa consciência, tenha essa compreensão para poder agir de forma mais sustentável.

Agência Museu Goeldi - Se pudesse dar um conselho ou dica a quem está em processo de formação como pesquisador(a), qual seria?

Silvia Pavan - Essa é a pergunta mais difícil. Eu acho que os cientistas hoje têm que ser mais do que cientistas estritos, mais do que pesquisadores. Eles têm que ser pessoas preocupadas com a disseminação das informações também, têm que ser educadores. Precisamos de pesquisadores engajados em comunicar a ciência e as suas descobertas, em passar a importância e o que é relevante para a sociedade. O cientista hoje tem uma missão multifaces: além de nos dedicarmos à pesquisa, temos que nos preocupar em nos aprimorar em educar pessoas ao nosso redor, e em comunicar os resultados da nossa ciência à sociedade, para que e a sociedade seja sustentável em seu desenvolvimento e haja de forma a manter as nossas riquezas naturais.

 

Texto: Brenda Taketa