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A Riqueza das línguas Tupi no Boletim de Ciências Humanas do Museu Goeldi

Edição mais recente do periódico traz dossiê com 10 artigos de especialistas do Brasil e do exterior, além de 4 produções sobre antropologia e arqueologia. O editor científico destaca a importância da linguística para as populações da Amazônia
publicado: 29/09/2015 11h15, última modificação: 28/02/2018 11h47

Agência Museu Goeldi – Tacape, cutucar, catinga, pereba, jaguatirica, cutia, mucura, andiroba, copaíba, pororoca... Essas e muitas outras palavras incorporadas ao Português contemporâneo brasileiro têm origem na família linguística Tupi, um dos grandes agrupamentos de línguas indígenas do Brasil, formada por pelo menos 40 línguas. Essa riqueza linguística é tema de uma série de 10 artigos da edição de maio/agosto de 2015 do Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi - Ciências Humanas, publicação quadrimestral do Museu Goeldi.

Constituída pelas subfamílias Tupi-Guaraní, Mawé, Aweti, Arikém, Juruna, Mondé, Tupari, Mundurukú, Ramarama e Puruborá, o tronco ou família Tupi é tema do dossiê organizado pelos pesquisadores Wolf Dietrich, da Universidade de Münster (Alemanha) e Sebastian Drude, do Instituto Max Planck de Psicolinguística (Países Baixos). São abordados temas como as possíveis origens da família linguística Tupi, as relações entre suas subfamílias, reconstruções de elementos de línguas ancestrais que teriam dado origens a línguas Tupi-Guaraní, e outros trabalhos que acrescentam novas informações à área e ajudam a avançar os conhecimentos sobre as línguas indígenas não apenas na Amazônia, mas em outras partes do Brasil e América do Sul.

O linguista Hein van der Voort, pesquisador associado do Museu Goeldi e editor científico do Boletim de Ciências Humanas, em sua Carta do Editor considera a linguística uma das ciências humanas de maior importância na Amazônia, região brasileira que concentra a maior diversidade das 160 línguas indígenas faladas no território nacional, muitas ameaçadas de extinção. A partir do estudo das línguas, é possível investigar conceitos culturais, modos específicos de interação das populações locais, identificar relações entre povos e montar quebra-cabeças dos caminhos ainda cheios de mistério da demografia e migração de populações ancestrais na região amazônica ao longo do tempo.

“As línguas representam um patrimônio imaterial da humanidade em geral”, explica também Hein, “Os seres humanos desenvolveram suas línguas durante milênios, e cada uma delas contém rastros de fases anteriores, palavras que podem ensinar-nos sobre as culturas dos povos do passado e estruturas gramaticais diferentes que nos ajudam a entender as possibilidades e os limites da cognição e da inteligência humana. Além disso, as diversas línguas representam repositórios de conhecimento criados por culturas que permaneceram estritamente orais durante milhares de anos. As línguas humanas começaram a ser escritas há talvez 6.000 anos; antes disso, por centenas de milhares de anos, o seu conhecimento era transmitido unicamente por via oral” observa o editor.

Línguas indígenas ontem e hoje – A linguística desenvolve soluções práticas para a conscientização sobre a diversidade linguística, elaborando ferramentas para propiciar o uso escrito das línguas indígenas por seus falantes maternos, bem como nos contatos Inter étnicos e inter-regionais.

Sobre esse papel contemporâneo das informações trazidas pela documentação e análises científicas da linguística, Hein van der Voort chama a atenção para o fato de que as línguas sempre mudam e se adaptam a novas situações. A adaptação a novas situações é visível especialmente quando as línguas indígenas adotam empréstimos do português ou quando desenvolvem a técnica da escrita, por exemplo. Outro exemplo aparece quando essas línguas começam a ser usadas em outras modalidades tecnológicas de comunicação, como o telefone celular e as redes sociais virtuais.

“As línguas indígenas não são incompatíveis com a chamada 'modernidade' e a sua extinção não contribui para nenhum 'progresso'. Muito pelo contrário, a perda de uma língua causa sofrimento a um povo e contribui para a sua desintegração. Se as populações minoritárias não forem discriminadas ou tratadas com desprezo, e se os seus valores culturais e a integridade da sua organização social e das suas terras são respeitadas, as línguas não precisam desaparecer, apesar do contato crescente com o resto do mundo.”

Antropologia e Arqueologia - Além do dossiê sobre as línguas Tupi, a edição atual do Boletim de Ciências Humanas do Goeldi traz ainda outros quatro artigos das áreas de antropologia e arqueologia. Um deles trata da relação entre pesquisadores do projeto “Nova Cartografia Social da Amazônia” e comunidades quilombolas do município de Salvaterra, no Pará. O segundo oferece informações sobre os moradores de sambaquis, no litoral fluminense (Brasil), com datação entre 4.500 e 1.000 anos atrás. O terceiro enfoca as práticas funerárias em base de restos mortais esqueléticos encontrados em um sítio ocupado entre 1227 e 560 anos atrás, no departamento de Victoria, Argentina. O último artigo é uma contribuição na área da etnoarqueologia e aborda o estudo das circunstâncias materiais das populações vivas em uma comunidade pesqueira, no litoral norte de Rio Grande do Sul (Brasil).

Ao todo, a edição atual do Boletim (maio/agosto 2015) conta com contribuições de pesquisadores da Universidade de São Paulo, Universidade Federal do Pará, Universidade de Campinas, Universidade Federal de Goiás e Universidade Federal do Rio de Janeiro, além de pesquisadores do próprio Museu Goeldi. Do exterior, o Boletim tem contribuições de pesquisadores das Universidades de Münster e de Leipzig (Alemanha), do Instituto Max Planck de Psicolinguística (Países Baixos), da Universidade de Zurique (Suíça), da Universidade de Lyon (França) e das Universidades Nacionais de la Plata e do Centro da Província de Buenos Aires (Argentina).

O Boletim de Ciências Humanas – O Boletim do Museu Paraense Emilio Goeldi - Ciências Humanas existe há 121 anos e faz parte da história da ciência no Brasil. O Boletim é originário do antigo “Boletim do Museu Paraense de História Natural e Etnographia”, criado em 1894, pelo então diretor do Museu, o zoólogo suíço Emilio Goeldi. O periódico adquiriu notoriedade internacional por divulgar informações científicas sobre a Amazônia em quantidade e qualidade sem precedentes. Em 2006, o periódico adotou seu formato atual com a divisão em Ciências Naturais e Ciências Humanas, com publicação quadrimestral para cada um.

Texto: Uriel Pinho